URGENCI : Rede internacional da Agricultura apoiada pela Comunidade (ASC)

Terceiro colóquio internacional

Judith Hitchman, fevereiro 2008

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O contexto

Do 26 ao 29 de janeiro de 2008, URGENCI, a rede internacional da Agricultura apoiada pela Comunidade (o sistema das AMAP – Associação para a Perenidade de uma Agricultura Camponesa – na França) se reuniu para seu 3º colóquio das parcerias locais e solidárias entre produtores e consumidores. Este colóquio aconteceu em Aubagne, no interior de Marseille, na Região Provence Alpes Côte d’Azur do sudeste da França. A sede de URGENCI se encontra nesta cidade que conta com uma população de 95.000 habitantes.

O sistema da agricultura apoiada pela comunidade foi fundado no Japão há quarenta anos (sistema do Teikei), baseado numa lógica de apoio local para os jovens agricultores desejosos de se instalar. Este movimento é ainda hoje uma rede flutuante e dinâmica de produção e de distribuição de produtos agrícolas, ao passo que numerosos japoneses manifestam sua preferência para a compra em circuito curto em contato direto com o produtor e mantêm seu interesse tradicional para o consumo de frutas e legumes frescos e biológicos, em oposição com um modo de aprovisionamento mais impessoal.

Os discursos de abertura relembram à platéia algumas das duras realidades atuais do mundo agrícola no planeta. Há mais de 1,3 bilhões de agricultores no mundo, e a maioria sofre da fome. Essa é o cúmulo da ironia, pois, trata-se daqueles que produzem nosso alimento. O acesso ao alimento e à água constitui uma questão chave na sociedade um pouco em todos os cantos do mundo hoje, e sua raridade se tornou fonte de conflitos. A agricultura é uma rede de produção que não pode se realizar de forma extraterritorial nem ser facilmente deslocalizado. Existe, mais cedo ou mais tarde, um risco real de penúria mundial de alimentos, pois o mercado agro alimentar é controlado por interesses que estão em contradição com os dos próprios cidadãos. É freqüente demais a situação de populações desprovidas de meios de decisão sobre o que desejam cultivar e comer. Isto levanta as questões fundamentais da segurança e da soberania alimentar.

Não há uma receita única: a inventividade é uma alavanca universal

Participantes provenientes de 15 países do mundo inteiro (à exceção da América Latina e a Austrália) testemunharam de suas experiências diversas. A impressão de conjunto era que não existe nem receita nem abordagem única. Os denominadores comuns são os dos circuitos diretos assim como o pagamento antecipado aos produtores que lhes permite evitar certas dificuldades clássicas de tesouraria. Uma característica chave é a da inventividade, da urdidura de laços locais e da busca de soluções que correspondam à cultura local na percepção mútua que a economia solidária e o desenvolvimento local são inextricavelmente misturados. Isto pode ser resumido pela palavra de ordem “Semear para alimentar e conhecer o agricultor”.

Um indicador significativo no plano lingüístico durante os testemunhos dos agricultores e dos consumidores era uma notável utilização dos pronomes possessivos “meu” e “meus”: uns e outros se referindo a “meu agricultor” e “meus consumidores”, fosse qual for o país.

Constata-se variação significativas nos procedimentos desenvolvidos no âmbito dos projetos AMAP, ASC, Teikei, assim como um grau variável de engajamento dos consumidores, que vai desde a participação dos consumidores nos trabalhos dos campos até a auto colheita pelos consumidores, passando por uma grande diversidade de práticas: coleta das cestas na propriedade pelos consumidores, fornecimento dos ingredientes das cestas a granel pelo produtor e em seguida preparação das cestas por um grupo de consumidores para os outros membros, pontos de entrega centralizados, e até entrega individual das cestas no domicílio dos consumidores.

Na África, onde a noção de relação pessoal tem uma grande importância, as famílias gostam de comprar diretamente seus produtos junto a agricultores que elas conhecem. Entretanto, o dumping dos produtos importados a baixo custo é uma dificuldade de monta à qual este continente está confrontado hoje. O controle das multinacionais que ameaça e que seria o resultado da assinatura dos acordos APE (Acordos de Parcerias Econômicas) impostos pela OMC é uma coisa que deve ser combatida a qualquer custo se a agricultura campesina deve sobreviver.

As diferenças de cultura e uma mudança de paradigma

Na Europa e na América do Norte, uma porcentagem significativa de jovens agricultores não tem raízes familiares no mundo agrícola. Sua vocação se inscreve num movimento geral neo-rural e no desejo de descobrir ou redescobrir um sentido mais autêntico de valores e da vida. O interesse que eles manifestam para a agricultura biológica, a construção de redes e o engajamento no desenvolvimento local sustentável, é freado, sobretudo, pela dificuldade que eles encontram para ter acesso a pequenos lotes de terra. Existe também em vários países uma porcentagem crescente de hortifrutigranjeiros que se afastam dos pesticidas para adotar a agricultura biológica, na medida em que se dão conta dos perigos sanitários produzidos por algumas práticas agrícolas. Uma questão que permanece em aberto para os produtores: a importância dos custos de produção em relação a sua capacidade para vender seus produtos a um preço satisfazendo o conjunto dos atores em um modo de ganho recíproco, que permitiria ao consumidor como ao produtor satisfazer sua necessidade.

Quanto aos consumidores, existem numerosas diferenças culturais que entram em jogo. Apesar da consciência que a alimentação é uma necessidade vital e que uma alimentação sadia é importante, as pressões da vida urbana moderna levaram a maior parte da população a se voltar para o consumo de pratos preparados, de conservas e de produtos provenientes de uma produção industrial que custam geralmente menos do que os produtos frescos.

No entanto, cada vez mais pessoas tomam consciência que uma alimentação produzida de forma sadia tem efeitos positivos sobre a saúde daqueles e daquelas que a consomem. Na Itália, o movimento do “slow food” ocupa hoje um terreno importante. Em muitas cidades de países desenvolvidos, os “burgueses boêmios” e muitas outras categorias da população são atraídos pelo sistema da ASC, que se torna uma prática cada vez mais generalizada e socialmente aceitável. Os cidadãos voltam para suas raízes, reaprendem o prazer de cozinhar, e descobrem e redescobrem « novos » legumes e alimentos. Muitas vezes, os grupos de consumidores fornecem receitas como acompanhamento das cestas para ajudar os membros a redescobrir as diferentes maneiras de preparar as antigas variedades de legumes que são, às vezes, desconhecidas.

A importância do apoio das autoridades locais para os diferentes projetos

Encontram-se duas características chaves nos projetos de ASC, AMAP e de Teikei no mundo: uma nova determinação expressada pelos cidadãos de mudar a má qualidade dos alimentos que lhes são propostos, e as dificuldades encontradas para ter acesso à terra para produzir e se alimentar. A partir da base e dos cidadãos, isso gerou uma fortíssima determinação para agir e mudar as coisas e que está crescendo. O papel das redes no plano mundial contribui amplamente para o desenvolvimento da expressão da cidadania.

As autoridades locais de Aubagne souberam dar exemplos numerosos e importantes. Terras agrícolas foram salvas assim das ameaças de desenvolvimento fundiário. Uma agricultura periurbana doravante faz parte integrante da paisagem, assim como em Milão, na Itália e em um número crescente de outras cidades. Jovens agricultores da região de Aubagne receberam o apoio das autoridades locais e puderam ter acesso dessa forma a pequenas propriedades, e o dispositivo das AMAP funciona bem. A importância deste apoio das autoridades locais não deve ser subestimada, pois é somente uma abordagem multiparcerial ampla, em que cada um assume sua parte de responsabilidade, que os papeis respectivos de cada um – autoridades locais, produtores e consumidores – podem se conjugar para permitir ao sistema dos AMAP/ASC/Teikei de se tornar um lugar de real governança e cidadania.

Fontes :

Para informações: www.urgenci.net

Este artigo está disponível no blog: Boletim Internacional de Desenvolvimento Local Sustentável