Dimensões globais de uma governança territorial de múltiplos níveis

Como estabelecer regulações que respeitem a ética num mundo de interações enleadas? “Entre o capitalismo privado e o capitalismo público, não há espaço para a participação substancial das pessoas. Desde 1945, o jogo tem duas partes: o Estado e o Mercado. Quando funciona bem, o âmbito público direciona para o âmbito privado e quando já não funciona, acontece o contrário. Se esses atores falharem, um terceiro ator, o terceiro setor, pode segurar a bola, mas essa não é a sua função! É preciso ensinar as pessoas a se governarem. Outra função de um governo é garantir a segurança dos bens públicos (pessoas, moeda, redistribuição da riqueza). O papel do terceiro setor não consiste em reivindicar esse lugar, ele deve exigir ao ator público que cumpra sua função: gerar boa distribuição e aprendizagem para que a sociedade civil se torne o principal jogador”.

A hipótese do reenraizamento já não é idealista. “Experiências perenizadas são testemunho de dinâmicas coletivas que articulam segmentos de atividade e território, inventam a corresponsabilidade, fortalecem a resiliência, esta capacidade dos territórios de se recuperar de uma prova coletiva. Elas contribuem para atenuar os choques macroeconômicos e para recuperar uma parte da autonomia na alocação dos recursos comuns, ao serviço das comunidades residentes. Não sem dificuldades, porque elas perturbam ou percutem nas regulações e em um quadro de pensamento em parte obsoletos. Os indicadores de resultados baseados no PBI continuam sendo impostos pela força das posições adquiridas e do hábito, apesar da sua falta de adequação à realidade de um mundo cujos recursos são limitados. Elas mantêm na margem as formas econômicas plurais para as quais o lucro não é a finalidade. Entretanto, “o conjunto das práticas sociais da economia solidária, hoje marginalizadas, permite já controlar em parte a erosão da sociedade salarial e poderia rapidamente ser levado a constituir, com esse nome ou qualquer outro (terceiro setor, economia social…) uma verdadeira identidade coletiva. Por necessidade mais que por decisão.”

Legalidade nem sempre é sinônimo de legitimidade. Abriram a caixa de Pandora da destruição. As manifestações contemporâneas da violência exercida contra o homem espalharam a sua ação de deterioração. São massivas e genocidas no mundo inteiro, ou expulsam da atividade profissional a uns e outros, geram detentores de direitos em um tratamento administrado dissociado da cidadania. Nesse processo de desfiliação, a violência é o resultado da fraqueza institucional, que está no bojo do sistema de regras. Salvo que se negue que em frente há um poder, o poder dos grandes grupos, dos mais diversos lobbies, sendo exercido sem verdadeiro controle. O mal que padecemos é a falta de direito que permite o abuso das posições dominantes, sem contrapoderes democráticos capazes de fazer respeitar a legitimidade da regra universal da “humanidade comum”. No século XIX foi necessária uma relação de força para impor limites à exploração do trabalho humano. Será necessário o exercício de um contrapoder coletivo de escala global para acabar com a exclusão e recompor as formas de proteção social para todos.

Partir da realidade com base em documentação confiável e na traçabilidade dos resultados é o elo que falta para se orientar na atual transição. As práticas sociais inovadoras começam a se tornar audíveis e visíveis, por suas concomitâncias e por seu número. Está na hora de ilustrá-las, documentá-las e analisá-las a fim de obter princípios comuns de concepção, para sistematizá-los visando a criar o “senso comum”. Mas é necessário interconectá-los para assentar melhor uma ação coletiva transformadora. Ou ela está ausente da caixa de ferramentas da análise política. Na medida em que tal teoria não seja plenamente desenvolvida e aceita, as principais decisões políticas continuarão estando fundadas na suposição de que as pessoas não sabem se organizar a si mesmas e que sempre necessitarão ser organizadas por autoridades externas: do Estado, do Mercado, e com frequência dos dois. Os analistas não questionam como as variáveis internas e externas podem fortalecer ou enfraquecer os esforços das comunidades de indivíduos para tratar de maneira criativa e construtiva problemas perversos, como a tragédia dos bens comuns. Enquanto cientista dedicado aos fenômenos empíricos - escreve Elinor Ostrom, Prêmio Nobel de Economia 2009 - tenho a responsabilidade de identificar esses problemas. E quando eles implicam uma falta de previsibilidade, de informação ou de confiança, bem como níveis elevados de complexidade e de dificuldades transacionais, os esforços de explicação devem levar amplamente em consideração esses problemas em lugar de ignorá-los.

É uma tarefa enorme. Este dossiê poderia facilitar as ferramentas para a análise!

Definição revisitada da territorialidade na globalidade

“O termo tem diversos significados, segundo as culturas e as línguas. Para nós o território é um sistema de ação com base geográfica onde se organizam as relações sociais, culturais, econômicas:

  • entre habitantes que compartilham o patrimônio, as vivências e os destinos de um mesmo espaço herdado e no devir (nativos, adotivos, migrantes, visitantes…);

  • entre organizações com múltiplas funcionalidades (empresas, comunidades, estados, redes de ajuda mútua, segmentos de atividade, etc….) ;

  • entre estas pessoas e estas organizações com um meio ambiente biogeográfico dado,

  • entre todos esses componentes e conjuntos mais amplos (macro) o mais reduzidos (micro)

Estas relações territoriais (cujas bases “locais” podem ser diferentes dependendo da natureza da relação interpessoal considerada) estão necessariamente abertas para o exterior. Porque no mundo atual, as interdependências se multiplicaram. A resolução de problemas tão concretos quanto o habitat, a alimentação, o ordenamento, a infraestrutura, os serviços, o emprego, o uso racional dos recursos naturais, a distribuição dos meios disponíveis, etc. devem levar em conta:

  • as limitações e os êxitos de uma produção e de uma distribuição de bens e serviços globalizados;

  • as falências atuais da governança internacional para gerir, de maneira equitativa e eficaz, os recursos naturais e culturais (bens comuns planetários, valores compartilhados) e os fluxos de toda a natureza de maneira adequada à diversidade de situações (ecossistemas, metrópoles superpovoadas, territórios fragilizados).

  • e novas articulações e formas de organização (institucionais, econômicas, sociais mas também transversais, financeiras, fiscais, técnicas, etc.) que a governança territorial deve criar”.

(Resultados de um Fórum eletrônico internacional, posterior ao Workshop 7 do Fórum Lux’09, realizado em abril de 2009 (4º encontro de globalização de solidariedades do RIPESS na Europa), pelos P’ACTES Europeus com Yvon Poirier e Françoise Wautiez. Ver site ALOE (http://aloe.socioeco.org/page72-projet_fr.html)

2 estudos de caso